Dr.ª Kátia Leite Mansur
Professora no PPGL da UFRJ e no PPGEO do Museu Nacional
Doutora em Geologia (UFRJ) e Geóloga pela UFRJ (1981). Diretora do Museu da Geodiversidade. Experiência com Geologia Ambiental, Hidrogeologia, Geoconservação e Geoética. Membro da Diretoria da Associação Brasileira de Defesa do Patrimônio Geológico e Mineiro e da Sociedade Brasileira de Geologia (Núcleo RJ/ES).
O local conhecido como Mangue de Pedra está localizado em Armação dos Búzios, na Praia Gorda, quase no limite com o município de Cabo Frio. Trata-se de um raro ecossistema onde o manguezal desenvolve-se sobre substrato composto por sedimentos de granulometria que varia desde areia até matacão, muito diferente dos manguezais tradicionais, onde o substrato é lamoso. Além disso, não possui rios para abastecimento de água doce ao ecossistema.

Um manguezal clássico possui algumas características básicas: (a) ação da maré alta, que “invade” a área da vegetação e que, na maré baixa, retorna com nutrientes para o mar; (b) local com salinidade variável, pela ação da água do mar e da água doce dos rios e estuários; e (c) desenvolve-se em local abrigado das fortes ondas, de modo a proteger o crescimento da vegetação.
Estudos levados a cabo por nosso Grupo de Pesquisa indicaram que o ecossistema do Mangue de Pedra recebe contribuição de descarga de água subterrânea na encosta (na forma de nascentes) e por descarga na linha da praia. A descarga de águas continentais nas zonas costeiras é processo natural. No entanto, na ausência de rios, esse aporte de água subterrânea passa a ter um valor excepcional, por conta de tratar-se de um ecossistema dependente de água subterrânea.
O clima da região é semiárido e isto é um complicador porque em determinadas regiões a evapotranspiração ultrapassa a infiltração. Ou seja, a chuva não é suficiente para recarregar o aquífero. Soma-se a isto a crescente urbanização da área, que leva à impermeabilização da área que contribui para o abastecimento do aquífero.
Desta forma, estudos hidrogeológicos vêm sendo realizados com o objetivo de permitir o entendimento da dinâmica e dimensões do aquífero. Realizamos estudos hidroquímicos e geofísicos de forma a definir que este aquífero é multicamadas e está delimitado por falhas.
A geologia está representada por sedimentos da Formação Barreiras, onde cascalhos intercalados com sedimentos arenosos, com lentes argilosas, indicam origem em depósitos de leques aluviais condicionados pela escarpa de falha. A Falha do Pai Vitório é o limite sul do Graben do Rio São João e, também, é a borda sul do aquífero, no limite com ortognaisses e ortoanfibolitos paleoproterozoicos. Pequenas falhas no interior da Formação Barreiras indica ação da neotectônica na região.
Atualmente, uma pequena parte da área no entorno do manguezal encontra-se com vegetação nativa em boas condições de preservação, justamente sobre a Formação Barreiras, que é a melhor área para infiltração.
Em dezembro de 2018, a Prefeitura de Armação dos Búzios decretou a criação da APA – Área de Proteção Ambiental do Mangue de Pedras. O desenho da APA coincide com a da área vegetada. Sabemos que APA é uma categoria de Unidade de Conservação (UC) de Uso Sustentável. Esta categoria pressupõe a possibilidade de ocupação. Entendemos que o melhor enquadramento neste caso seria para uma UC de Proteção Integral, onde apenas visitação e pesquisa podem ser permitidas.
Como a Geoforense poderia ser usada neste caso?
A Geoforense se alinha ao evidenciar todos os valores relativos à Geodiversidade de um notório Patrimônio Geológico. Sob preceitos legais – que visam proteger e conservar, bem como mandamentos (geo)éticos, a Geoforense certamente se mostra uma maneira efetiva de se tornar um autêntico veículo de realização de Justiça, que esteja sempre à disposição de uma interlocução para com a sociedade.