O que é Palinologia?
A palinologia é compreendida como uma área interdisciplinar no ramo das ciências geológicas e das ciências biológicas, com enfoque especial no âmbito da botânica, na qual seu principal foco de pesquisa consiste no estudo dos palinomorfos, sejam vivos ou fósseis, a fim de compreender sua composição, estrutura e dispersão. Os palinomorfos constituem uma gama de partículas (pólen, esporos, microrganismos planctônicos e bentônicos, etc.) bem preservadas de organismos ou estruturas orgânicas, que apresentam dimensões entre 5 e 500 micrômetros, denominadas microfósseis. Estas, são estruturas microscópicas que aderem facilmente à superfície a qual entram em contato, além de serem extremamente resistentes à degradação até mesmo com ácidos potentes como HCl, HF, H2NO3 e outros, favorecendo sua aplicabilidade no segmento forense.

Pólen e Esporos
Os esporos correspondem às unidades capazes de gerar a reprodução das plantas, algas e fungos por meio de dispersão. Sua nomenclatura pode variar dependendo do sexo do gameta ao qual irão dar origem, nas giminospermas e angiospermas os esporos que originam gametas masculinos são denominados micrósporos e correspondem ao grão de pólen. A produção de pólen se dá tanto em plantas floríferas (angiospermas), em que sua geração ocorre nas flores em um órgão chamado antera, como em coníferas (gimnospermas), produzido nos cones chamados estróbilos.


Como citado anteriormente, apresentam elevada resistência à decomposição e alteração física, fazendo com que durante a fossilização sejam capazes de preservar suas características externas. Além disso, são partículas produzidas em altas quantidades e dispersas em grandes áreas por meio do vento, da água e até mesmo de outros organismos. Esse atributo de resistência é proveniente da composição presente em sua estrutura, a qual é composta por uma camada interna denominada intina e uma camada externa, que apresenta um invólucro de esporopolenina, chamada de exina. A esporopolenina é um polímero biológico extremamente resistente à degradação, protegendo os grãos de pólen da desidratação e inúmeras ações mecânicas, consequentemente a proporção deste polímero na parede do grão vai influenciar diretamente em sua susceptibilidade a degradações químicas.

De modo geral, os grãos de pólen podem ser transportados por meio do vento, da água ou até mesmo de animais vetores. Plantas que dão origem a grãos que são transportados por meio do vento, produzem uma elevada quantidade destas partículas que são extremamente relevantes do ponto de vista forense. Isso se dá devido ao fato de que estes grãos serem aerodinâmicos e apresentarem uma morfologia simples com paredes finas, além do fato de estarem presentes na maioria das superfícies após a primavera, onde 95% caem a cerca de 2 quilômetros da planta que os originou. A distância a qual o grão irá percorrer depende diretamente de uma série de fatores como:
- Peso e forma;
- Força do vento e condições atmosféricas;
- Aerodinâmica;
- Obstruções pelo caminho.
As plantas que utilizam da dispersão do pólen por meio da água, apesar de produzirem um elevado número de grãos, estes são relativamente pequenos e pouco resistentes, uma vez que apresentam em sua exina uma elevada quantidade de celulose e pouca esporopolenina. Já as plantas que fazem uso de animais como vetores de dispersão, produzem poucos grãos, geralmente com uma exina espessa e pegajosa, que são encontrados próximos às plantas de origem.
A vegetação de uma certa localidade depende diretamente de diversos fatores, como por exemplo do clima ali estabelecido, e cada padrão de vegetação possui determinadas espécies de plantas, em que cada uma delas gera um pólen característico. A partir disso, é possível correlacionar os grãos de pólen com espécies de plantas e localidades específicas. Essas e outras características, como elevada resistência, fácil aderência a superfícies e de difícil remoção, além do fato de não serem perceptíveis a olho nú, faz com que essas unidades possuem uma excelente aplicabilidade nas ciências forense.
Palinologia Forense
A Palinologia se torna forense quando é aplicada e modificada para a obtenção de evidências probatórias, usada como ferramenta na resolução de crimes como homicídio, estupro, terrorismo, tráfico de drogas, genocídio e diversos outros. Isso se dá devido ao fato de que os palinomorfos podem ser usados para relacionar um suspeito ou itens a uma cena de crime, validar ou invalidar álibis, determinar a trajetória de uma pessoa ou objeto e outras diversas aplicabilidades.
Os palinologistas utilizam de um princípio fundamental que diz que, dois objetos colocados em contato irão sempre transferir material para o outro (Princípio da Troca de Locard). A utilidade do pólen como ferramenta forense, está ligada diretamente às suas características de elevada resistência a degradação, abundância no ambiente, fácil aderência a superfícies, tamanho pequeno imperceptível a olho nú e morfologia característica que permite correlacionar o pólen a um táxon específico. Assim como os grãos de pólen, os esporos são pequenos e passam despercebidos, classificando-os no grupo das chamadas ‘’provas silenciosas’’, entretanto ao contrário do pólen os esporos são difíceis de se identificar e relacionar a um táxon específico.
Algumas das características utilizadas para a identificação de um grão de pólen está ligada a sua morfologia, já que não apresenta eficácia ao classificá-lo quanto ao seu tamanho visto que em uma mesma planta são produzidos grãos de tamanhos variados, além de que o método de extração pode afetar suas proporções. Sendo assim, os atributos mais utilizados na identificação são a forma e os padrões de textura na superfície dos grãos, além disso, pode-se fazer uso de outras propriedades como a espessura da parede.

A visualização dos grãos e possível identificação se dá por meio da microscopia de luz refletida, devido ao seu tamanho (5 a 500 micrômetros), ou por um aparelho denominado SEM (microscópio eletrônico de scanner) que apesar de funcional apresenta menor eficiência. Ademais, para identificar um grão corretamente é necessário que o palinólogo tenha acesso a bons documentos de referência que cataloguem diversas espécies de todo o mundo. Portanto, o reconhecimento pode ser feito através da comparação do grão, coletado na cena do crime, com as imagens presentes no catálogo, entretanto, caso tenha-se acesso a um acervo de grãos em si a identificação torna-se ainda mais precisa.
Protocolos
Para se enquadrar como uma Ciência Forense, os procedimentos devem seguir os padrões pré-estabelecidos de qualquer conjunto de dados científicos. Os protocolos referentes à palinologia são distintos dependendo do país, na Grã Bretanha os palinologistas coletam as amostras e visitam as cenas de crime. Em outros países, as amostras são coletadas por peritos gerais, o que não é muito adequado. Para que o palinologista consiga contribuir plenamente com os possíveis cenários de um crime, este deve estar profundamente envolvido na investigação. A importância de um profissional da área ir até a cena e coletar as amostras, é saber exatamente onde deve-se procurar e como otimizar a extração. Isso garante que ao apresentar as evidências no tribunal o indivíduo conheça com segurança todos os aspectos dos componentes palinológicos da investigação e seja capaz de validar os dados obtidos.
Amostras palinológicas relevantes, podem ser encontradas em cadáveres, tapetes, roupas de qualquer tipo (mesmo que pareçam estar limpas), veículo, comida, solo, água, utensílios em geral, entre outras. A estratégia de coleta das amostras dependerá das circunstâncias particulares de cada caso e da natureza da cena do crime. Estas são recuperadas para que seus perfis palinológicos possam ser comparados com aqueles presentes no suspeito, vítima ou objetos. Caso haja muitos pontos de semelhança é provável que tenha ocorrido contato entre eles ou os locais em questão. Ademais, os exemplares devem ser identificados e armazenados de acordo com sua natureza.
Potenciais Áreas Para Coleta
Dentre os locais passíveis de se encontrar evidências palinológicas em uma cena de crime, tem-se cadáveres, veículos e solas de sapato. Em se tratando de cadáveres, este configura-se como a fonte mais importante de evidências forenses, pode-se encontrar amostras abaixo das unhas, pele, cabelo e membranas mucosas (estômago e intestino grosso). O valor das amostras palinológicas encontradas em veículos dependem diretamente do local ao qual tenham passado, sendo esta uma importante fonte de vestígios e evidências.
No interior do veículo, as amostras podem ser encontradas nos pedais e tapetes informando, por exemplo, a posição dos indivíduos; quanto aos pneus, o material ali encontrado não é tão eficiente, uma vez que os vestígios ali encontrados podem apresentar origens distintas e nem sempre relacionadas a cena do crime. Além disso, existem outras possíveis fontes relevantes de evidências, como entrada de ar e nas palhetas dos limpadores de para-brisas.
Os calçados podem apresentar adversidades caso os materiais tenham sido depositados em momentos e lugares diferentes, uma vez que pode ocorrer acúmulo sequencial de materiais como poeira, solo, sedimentos e fragmentos de vegetação. Muitas vezes, dependendo do material com o qual o calçado é feito, a parte superior de botas e sapatos tem maior potencial de reter amostras do que as solas, especialmente se o calçado foi usado por um período considerável após o crime.
Tratamento e Avaliação das Evidências
Os palinomorfos recuperados são submetidos a processamento químicos, em que a amostra é tratada com reagentes que dissolvem o máximo possível do material, concentrando as partículas compostas por polímeros resistentes (esporopolenina e quitina). A análise microscópica permite analisar mais detalhadamente as evidências coletadas em um determinado local de crime, além disso a avaliação ajuda a eliminar locais ou fontes de contato irrelevantes para o inquérito. Em casos forenses, a riqueza de espécies pode ser alta, mas raramente são encontrados palinomorfos que podem ser particularmente informativos, sendo assim é necessário que seja realizada uma contagem, de acordo com a natureza da amostra, que contenha cerca de 300 grãos de pólen, para que seja viável a correlacionar itens, pessoas e locais.
Por fim, após a interpretação dos dados, um relatório deve ser encaminhado ao investigador apresentando todos os resultados encontrados, que devem seguir os padrões exigidos pelo tribunal. É importante que o documento forneça todas as informações pertinentes (número da exposição e localização das amostras), com fotos acompanhadas de uma escala da imagem que permitam a visualização em vários campos de foco e orientação.
Referências
Palinologia Forense – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE CIÊNCIAS FORENSES. Apcforenses.org. Disponível em: https://apcforenses.org/?page_id=502. Acesso em: 19 Set. 2021.
FABIANE BREDA. Palinologia – Portal São Francisco. Portal São Francisco. Disponível em: https://www.portalsaofrancisco.com.br/biologia/palinologia. Acesso em: 19 Set. 2021.
Forensic palynology: Why do it and how it works – artigo Protocols for forensic palynology – artigo Caracterização polínica das plantas lenhosas do Bosque dos Papagaios, Boa Vista, Roraima, norte do Brasil – artigo
Graduanda em Geologia pela UFMG, Membro do UFMG IFG Student Chapter e Consultora da Presidência da Minas Jr. Consultoria Mineral.
Graduanda em Geologia pela UFMG, Membro do UFMG IFG Student Chapter.